sábado, 7 de julho de 2012

VOCABULÁRIO DA VIDA

Adeus: É quando o coração que parte deixa a metade com quem fica.

Amigo: É alguém que fica para ajudar quando todo mundo se afasta.

Amor ao próximo: É quando o estranho passa a ser amigo que ainda não abraçamos.

Caridade: É quando a gente está com fome, só tem uma bolacha e reparte.

Carinho: É quando a gente não encontra nenhuma palavra para expressar o que sente e fala com as mãos, colocando o fago em caca dedo.

Ciúme: É quando o coração fica apertado porque confia em si mesmo.

Cordialidade: É quando amamos muito uma pessoa e tratamos todo mundo da maneira que o tratamos.

Doutrinação: É quando a gente conserva o espírito colocando o coração em cada palavra.

Entendimento: É quando um velhinho caminha devagar na nossa frente e a gente estando apressado não reclama.

Evangelho: É um livro que só se lê bem com o coração.

Evolução: É quando a gente está lá na frente e sente vontade de buscar quem ficou para trás.

Fé: É quando a gente diz que vai escalar um everest e o coração já o considera feito.

Filhos: É quando Deus entrega a jóia em nossa mão e recomenda cuidá-la.

Fome: É quando o estômago manda um pedido para a boca e ela silencia.

Inimizade: É quando a gente empurra a linha do afeto para bem distante.

Inveja: É quando a gente ainda não descobriu que pode ser mais e melhor do que o outro.

Lealdade: É quando a gente prefere morrer que trair a quem ama.

Lágrima: É quando o coração pede aos olhos que falem por ele.

Mágoa: É um espinho que a gente coloca no coração e se esquece de retirar.

Maldade: É quando arrancamos as asas do anjo que deveríamos ser.

Morte: Quer dizer viagem, transferência ou qualquer coisa com cheiro de eternidade.

Netos: É quando deus tem pena dos avós e manda anjos para alegrá-los.

Obsessão: É quando o espírito adoece, manda embora e compaixão e convida a vingança para morar com ela.

Ódio: É quando plantamos trigo o ano todo e estando os pendões maduros a gente queima tudo em um dia.

Orgulho: é quando a gente é uma formiga e quer convencer os outros de que é um elefante.

Paz: É o prêmio de quem cumpre o dever.

Perdão: é uma alegria que a gente se dá e que pensava que jamais a teria.

Perfume: É quando mesmo de olhos fechados a gente reconhece quem nos faz feliz.

Pessimismo: É quando a gente perde a capacidade de ver em cores.

Preguiça: É quando entra vírus na coragem e ela adoece.

Raiva: É quando colocamos uma muralha no caminho da paz.

Saudade: É estando longe, sentir vontade de voar, e estando perto, querer parar o tempo.

Sexo: É quando a gente ama tanto que tem vontade de morar dentro do outro.

Simplicidade: É o comportamento de quem começa a ser sábio.

Sinceridade: É quando nos expressamos como se o outro estivesse do outro lado do espelho.

Solidão: É quando estamos cercado por pessoas, mas o coração não vê ninguém por perto.

Supérfuo: É quando a nossa sede precisa de um gole de água e a gente pede um rio inteiro.

Ternura: É quando alguém nos olha e os olhos brilham como duas estrelas.

Vaidade: É quando a gente abdica da nossa essência por outra, geralmente pior.

(Do livro : O homem que voltou das sombras)

terça-feira, 3 de julho de 2012

Retrato falado

Nunca lhe falei da minha paixão, mas ele deve ter ouvido alguns segredos que os meus olhos, traiçoeiros, deixaram escapar nas raras vezes que permiti tocarem os dele. Deve ter percebido a palidez que vestia meu rosto ao encontrá-lo. Depois, o rubor. As palavras trôpegas, desconexas, tentando achar o caminho da lógica. Aquele texto inadequado para o contexto que a gente diz e depois, ao relembrar, faz um muxoxo, balança a cabeça aborrecidamente, e diz pra si mesmo: “Ai, meu Deus!...”

Deve ter ouvido o meu riso desafinado, que em algumas circunstâncias era motivado apenas pelo nervosismo. O outro falando de uma coisa que não tem graça nenhuma e a gente rindo, sem poder explicar a aparente esquisitice. Deve ter ouvido a mão gelada que apertava a dele levemente para não ser desmascarada. E aquele ar meio patético que as pessoas costumam ter quando se apaixonam. A boca é o que menos fala no corpo. Imagino que deve ter ouvido algumas dessas vozes que falavam em mim sem que eu pudesse contê-las.

Mas, ainda que tenha ouvido, não ouviu tudo. Não soube que eu inventava os pretextos menos criativos para vê-lo. Que planejava a maioria dos encontros que eu chamava de coincidências. Que antes de ir até onde ele estava, passava mais perfume que de costume. Mudava, várias vezes, a roupa, o batom, o humor. Enchia a boca com balas de hortelã. Ficava incontáveis minutos em frente do espelho, procurando o melhor ângulo, o melhor sorriso, a melhor expressão de surpresa. Ensaiava, em vão, como agiria quando o encontrasse: o cumprimento, os gestos, as palavras. Todo um roteiro meticulosamente estudado para ser traído, em poucos segundos, pela inabilidade que me dominava ao me flagrar diante dele. Aquele esforço sobre-humano para aparentar serenidade com uma escola de samba desfilando no coração.

Nunca soube que, depois de encontrá-lo, relembrava cada detalhe durante todas as horas que antecediam o próximo encontro. A rota que seus olhos percorreram, cada movimento, cada vírgula da sua fala, cada nuance de entonação. Era como se eu quisesse descobrir alguma possibilidade de correspondência. Ainda que pequena. Ainda que remota. Relembrar também era uma forma de senti-lo perto de mim de novo e de poder olhar para ele sem reserva, sem cautela, debruçada na janela da minha imaginação.

Mesmo que tenha suspeitado de que eu sentia algo, não descobriu tudo. Não descobriu que seu riso era a canção de que eu mais gostava. Que sussurrava seu nome repetidas vezes, e com tanta delicadeza, que ele bailava nos meus ouvidos como um poema. Um mantra. Uma música. Que eu queria conhecer o lugar onde os seus sonhos moravam para poder acordá-los, vez ou outra, quando adormecessem. Que em alguns momentos, no auge da minha ilusão, senti vontade de pedir que jogássemos as armas no chão para que nossas mãos pudessem se encontrar.

Nunca descobriu que escrevi versos que não lhe mostrei e cartas que jamais entregaria. Que muitas vezes, a pedido do meu coração, liguei apenas para ouvir sua voz dizer alô e desliguei sem uma única palavra. Que fantasiei delícias. Que cantei todas as músicas de amor que eu sabia lembrando dele. Que lembrava ao acordar. Que adormecia lembrando. Que lembrava tanto que achava ter enlouquecido, ô troço obsessor essa tal de paixão. E que, às vezes, lembrar doía, uma dor fina e morna crescendo no peito, como doem os sonhos que não acontecem e que a gente desconfia que não vão mais acontecer.

Ana Jácomo